quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Adriana Calcanhotto - O micróbio do samba




Melhor compositora de sua geração, Adriana Calcanhotto mantinha até agora uma relação episódica e um tanto reverente com o samba. Ao dedicar todo um disco a ele, mostra-se à vontade para repaginar temas tradicionais do gênero com um olhar contemporâneo - ou melhor, calcanhottiano, dado seu jeito muito peculiar.

O baixo de Alberto Continentino, as percussões e a bateria de Domenico Lancelotti e participações como a da guitarra de Rodrigo Amarante traduzem a liberalidade da artista com o samba. Em "Pode se remoer", uma batida que remete ao axé baiano e a guitarra distorcida provam que, para o bem e às vezes para o mal, ortodoxia não é a regra.

Mas os temas são reconhecíveis, embora tratados à moda da compositora. Em "Mais perfumado", o antigo malandro continua driblando a patroa, mas ela agora é narradora e, com ironia, avisa que sabe de tudo.

A trama de "Já reparô?" emula os velhos sambas sincopados, faz lembrar as composições de Janet de Almeida, mas a perversa narradora não poupa um "o amor é hiperquântico".

"Vem ver" é parente do "Não sou mais disso" de Zeca Pagodinho e Jorge Aragão: um homem prometendo entrar no prumo em nome de seu grande amor, mas sem carolice, pois se anuncia "escravo" diurno e "predador" noturno.

E, encerrando com brilho o disco, "Tá na minha hora" inverte o costumeiro "até quarta-feira" dos machões e põe na voz da cabrocha mangueirense o adeus carnavalesco, com direito a "te deixo a geladeira cheia e sem promessa" e "não chora, neguinho, não chora".

Se há um anticlímax a ser registrado num insuspeito CD de Calcanhotto todo de sambas (bem, "Deixa, gueixa" é marchinha e "Tão chic" fica entre a marcha-rancho e o frevo, mas tudo é carnaval), é que as duas melhores faixas já são conhecidas.

Feita para (e ideal na extensão da voz de) Marisa Monte, "Beijo sem" foi gravada por Teresa Cristina ao lado de Marisa, e é outra a inverter os papéis, com a mulher flanando pela Lapa e chamando "orgia" de "meu bem".

A melhor de todas é "Vai saber?", esta feita para Mart'nália e gravada por Marisa. Um belíssimo exemplar de samba que fica entre o desalento e a praga, com o narrador unissex desejando à sofrida distância que a pessoa amada ainda venha a corresponder, ainda que "tarde demais".

Calcanhotto e o samba ainda merecem muitos encontros felizes, alguns até sem certas heterodoxias de arranjo. Só para experimentar.

Texto retirado da página do O Globo Cultura.



Senha: fomesonora

2 comentários:

  1. Melhor disco de "nem sei quanto tempo pra cá" da musica brasileira. Parabéns à Adriana Calcanhoto, grande obra.

    ResponderExcluir
  2. link nao abre =c
    disponibiliza pra nós =]

    ResponderExcluir